terça-feira, 11 de dezembro de 2012

sejamos espertos: vamos ver TV?

Ah, a ironia de falar mal do meio de comunicação 
em que você está se promovendo...


nessa cena de "50/50", os protagonistas perguntam para dois idosos
"Para onde vocês olhavam quando ouviam rádio?"
Primeiro havia o rádio, mas decidiram que teríamos que ser visuais. Daí, nasce a TV, que junto com o seu antecessor, tornam-se os maiores meios de comunicação do século XX considerando alcance e respaldo. Mas o seu cotidiano depende da TV?
Talvez a ideia de a TV ditar seu cotidiano possa parecer estranha, mas durante muito tempo, principalmente depois que ela se consolida com toda sua importância, o cotidiano dos telespectadores estava de alguma forma relacionado à grade de programação de determinadas emissoras. Comecemos com um exemplo...
Até meados da década de 90, em muitas cidades do sertão nordestino (muitas delas antes de receberem inclusive um sistema de energia próprio e de iluminação pública), havia na praça principal um caixote fechado a cadeado onde dentro ficava guardado um aparelho de TV. Essa caixa só era aberta e a TV ligada geralmente quando anoitecia e começava as novelas e telejornais noturnos, causando uma movimentação intensa na praça, onde as pessoas se aglomeravam para saber o que aconteceria com seus personagens preferidos e odiados nas novelas. É interessante perceber que muitos desses telespectadores não haviam perdido o hábito de ouvir rádio e o faziam durante o dia, principalmente, ouvindo a sinopse do capitulo do dia das novelas que assistiriam à noite. É como se os ouvintes “assistissem” as chamadas do episódio que passa durante todo o dia na TV, já criando assim uma expectativa.
 Esse hábito perdurou por tempos pelo interior do Brasil e alguns amigos que residem no Norte me dão notícias de que por lá ainda há localidades que vivem tal prática.
o guardião dessa chave às vezes era mais poderoso que o prefeito
Aí, como sempre tem alguém pé no saco que do alto de sua torre de marfim gosta de achar que conhece o mundo baseado nos 3 m² do quarto pode vir e falar “mas novela não é cultura”, “novela é ridículo”, “novela é a putaquetepariu, Rivers!” (está entre aspas, então não sou eu falando o palavrão, ok chefe?). Pequeno gafanhoto, digamos que nenhum produto cultural serviu tão fortemente como reflexo de uma sociedade como as novelas no Brasil. Sim, assim como música, filmes e livros, novelas também são produtos desse mercado cultural. São mercadorias e tolo é você que acha que não consome nada que ela “vende”. Somos um dos maiores exportadores de novela do mundo (grandesbosta, eu sei!), mas o que é vendido não são enredos, narrativas, vilões, músicas. Vendemos pequenos retratos de certos cantos do Brasil que, de certa forma, moldam a opinião internacional sobre o que se tem aqui e isso nem sempre deve ser visto como um aspecto negativo. Antes que você venha me torrar a paciência dizendo “mas o Brasil não é só favela, Leblon, Av. Paulista, sertão!”, jovem escroto gafanhoto, eu me antecipo: pode não ser só isso, mas considerando uma infinidade de aspectos culturais de onde até hoje não se chegou a um consenso sobre qual a “cara” do Brasil, você vai querer que uma novela faça isso? Faz assim, no dia que Bollywood parar de produzir filmes com as pessoas dançando, talvez eu deixe de achar que os indianos não se locomovam assim, tá? (alguém lembra do sensacional episódio de Os Simpsons no Brasil? Hihihi)

tche tcherere tchetche tcherere tchetche tche tche é Bollywood e você!
Enfim, se a TV ganhou tanta importância no cotidiano das pessoas (a ponto de ser, em geral, o primeiro eletrodoméstico comprado por famílias mais pobres, antes mesmo de uma geladeira ou fogão), não é de se espantar que as novelas tivessem uma parcela de culpa nesse processo todo. De certa forma, assuntos polêmicos sempre fizeram parte dos enredos desse produto cultural e eles acabam sempre criando um buzz em torno do produto, por mais efêmero que seja esse próprio produto. Assuntos como “divórcio” caíram na boca do povo por causa de novelas (no caso, A Escalada de 1975, tendo sido aprovada a lei do divórcio no ano seguinte) e de certa forma, fizeram com que a opinião pública se manifestasse de alguma forma. Em geral, seus autores se apropriam de temas que de alguma forma são discutidos por grupos específicos (como a questão ambiental) e faz com que a população que consome novela passe a ter alguma opinião sobre. Eu sei que não é a melhor fonte de informação, mas num país em que o acesso à educação é ferrado e professor é a categoria mais escrotizada que existe, ter um elemento que aponte questões mais amplas que o cotidiano restrito de trabalhadores que passam dois (ou três) turnos tentando ganhar a vida, é algo “louvável”. Junte isso ao fato de que todo assunto polêmico tocado (como desaparecimento de crianças, doenças que necessitam de cuidados especiais, etc), de certa forma, dá ao autor um respaldo na sociedade e dentro da própria emissora, tanto que muitos deles já fizeram disso sua marca.
  Só que do mesmo jeito que as novelas são polêmicas, elas são simples. Aí reside um dos segredos do sucesso! Veja bem, uma novela dura em média uns 6 a 7 meses, costuma ter uns 150 capítulos e essa longevidade é justamente um dos elementos que faz a coisa toda funcionar. Povão perdeu um episódio, no dia seguinte pode continuar assistindo sem deixar de entender o que tá se passando com os personagens. Esse desenvolvimento lento é de uma importância monstra, tanto que os índices de audiência sempre tendem a crescer quando a novela vai se aproximando do fim e quem pegou o bonde andando, quem assistiu só as últimas semanas é capaz de contar a novela toda. 
oi oi oi
Outro elemento que marca o sucesso desse produto cultural é perspectiva dualista do troço todo. Em geral, desde os primeiros capítulos, já é apresentado ao público que são os bons e os maus na trama. Uma vez que isso é estabelecido, fica mais fácil torcer pelo mocinho (ou para o vilão, como algumas vezes aconteceu). O mais engraçado é que quando não fica claro a posição de determinadas personagens, a novela (ou pelo menos o núcleo da qual a personagem faz parte) começa a ter uma certa rejeição por parte da audiência. Por mais complexa que a trama seja pensada, ela não pode se desamarrar dessa perspectiva de “bem VS mal”, pois senão não haverá uma identificação dos telespectadores com as personagens e isso é o primeiro passo para o fracasso. A sorte deles é que eles podem matar um monte, refazer a história e ainda assim ser sucesso no final, por conta dessa longevidade toda.
Notem que isso é um processo de mão-dupla, pois do mesmo modo que aspectos sociais alteram os rumos da trama, a novela em si também muda o cotidiano das pessoas, com os bordões dos personagens, a ligeira conscientização sobre um tema, a moda de uma forma geral e por falar em audiência, você sabia que final de novela e final de copa do mundo disputaram como programa mais visto numa mesma semana? No domingo, 21 de junho de 1970, o Brasil se sagrava tricampeão mundial sobre a Itália e a transmissão batia recordes de audiência. Até então, nunca tantas TVs no Brasil estavam ligadas no mesmo canal, no mesmo momento. Nunca até o dia seguinte, quando passou o último capítulo da novela Irmãos Coragem e bateu o índice anterior. O Brasil é ou não o país da novela? 
Nessa altura do texto você já deve estar pensando “f0da-se novela isso é um lixo!” e eu concordo com você, gafanhotinho kuduído! Enlatados americanos são muito mais legais, mas voltemos ao início do texto e pensemos o quanto nosso cotidiano de alguma forma sempre esteve ligado aos horários dos programas da TV. Com o advento e a popularização da interwebs, vocês mandaram ver na pirataria e começaram a baixar séries como se não houvesse amanhã, mas esse processo de download ilegal só se intensificou em meados da primeira década do século XXI (depois de 2005, pra quem não sabe contar, blz?). Antes disso, tendo TV a cabo ou não, todas as pessoas de sua casa tinham uma forte relação com os horários que os programas passavam na TV. Acontecia (se ainda não acontece) de pais jantando enquanto assistiam o Jornal Nacional, de mães (ou domésticas) que sempre davam uma espiada nos programas de culinária pela manhã para ver se tinha algo legal pra fazer pro almoço, de irmãos mais velhos tirando sarro da sua cara porque podiam dormir mais tarde e ficavam vendo o filme de segunda à noite (praticamente o único acesso gratuito a filmes inéditos na TV brasileira) ou quando não no sábado, mas aí já é baixaria...
Emmanuelle, onde quer que esteja,
saiba que ainda te amo!
Mesmo quem tinha TV a cabo, se tivesse a manha, marcava na revista mensal que continha a programação, todos os filmes e programas que queria ver e dependendo do convite, às vezes deixava de sair porque ia passar um filme legal ou a maratona de algum seriado. Entendo que cada vez mais, a programação passou a se adaptar ao telespectador, vide Netflix – #ad, mas a parcela que consome filmes, séries e novelas (tem até Maria do Bairro no Netflix huauhauha) desse modo ainda é muito pequena. O povão ainda tá ligado, cada vez com mais tecnologia, nos elementos mais simples, nas emissoras mais vistas e continuam consumindo qualquer que seja o produto cultural da mesma forma, para seu desespero, pequeno gafanhoto. Então, saí desse computador e vai lá sentar no sofá com sua mãe que tá quase começando a novela.

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