“testando, 1 2 3, alô som, ok! Dá o
play DJ!”
*toca uma vinheta chata*
*está tocando ‘Mississipi Queen” com o
Ozzy cantando*
“Putz, mas deu vontade de ouvir blues!”
*coloca o rádio no mudo*
“Vou procurar uns vídeos do Joe
Bonamassa no youtube.“
“’Driving towards the daylight’? Eita,
o cara tá lançando disco novo... será que já tem no iTunes?”
*abre o iTunes, acha o disco novo do
John Mayer disponível para audição e põe pra tocar*
“John Mayer é muito bom!”
*dá pause na audição pelo iTunes, pega
o violão e começa a tocar “Who says” do John Mayer*
*corre na estante, pega um CD que já
tava empoeirado dos caras e põe no aparelho, apertando o shuffle*
*escuta duas músicas e percebe que tem
que voltar ao computador,
“Putz, tá tarde, de volta ao trabalho”
*vai desligar o aparelho de som, mas
acaba apertando o botão errado, voltando pra rádio*
*decide deixar lá*
“’under preasure’ é legal e tal, deixa
aí...”
*começa a tocar uma música que não
gosta e desliga o rádio*
*abre o winamp e vai ouvir Queen, mas
põe pra reproduzir a pasta do Queens of the Stone Age por engano*
“Droga! Ah, que se dane...”
*Queens of the Stone Age o faz lembrar
de Foo Fighters, então vai ouvir isso*
*Foo Fighter o lembra de um amigo de
colégio que tinha esse apelido e lhe emprestou o “Ixnay on the hombre” do
Offspring*
“Putz, por onde deve andar o Thiago Foo
Fighters?”
*Vai atrás de notícias sobre o
Offspring de quem não ouve falar desde que lançaram a música “want you bad”*
*nos destaques do site, fala da turnê
de despedida do Scorpions”
“Que saco nunca ter visto esses caras
ao vivo, pelo menos vi Maiden”
*lembra em seguida do show do Iron
Maiden, assistido na grade, no calor de Recife*
*levanta de novo, vai atrás do LP
“somewhere in time” do Maiden, põe pra tocar “Wasted Years” e pensa alto*
“única música do show que eu não cantei
junto, tava difícil segurar as lágrimas”
*lembra do trabalho, desliga tudo e
volta para o computador*
*fechando itunes, winamp, navegador com
youtube aberto*
“Vamos trabalhar!”
*abre o winamp*
“mas não sem música!”
*põe pra reproduzir a pasta com os
Estudos de Chopin”
“só me falta uma ideia para começar
esse texto do Curioso Inovador”
O assunto de hoje é música e principalmente,
sobre os modos de se ouvir música.
Essa rápida introdução, nada mais é que
uma tarde comum em Rivers’ Place (my land, my territory, my precious). Como
falei anteriormente, sou um cara meio desajeitado, perco o foco fácil, mas por
incrível que pareça, sempre funcionei com música. Na verdade, com música e
tecnologia. Tanto que com 3, 4 anos, já sabia mexer no ultra-mega-moderno 3 em
1 de uma tia minha, onde colocava pra reproduzir, com todo o cuidado, LPs do
RPM, John Lennon e Elis Regina. Contudo, esse não é o foco desse texto...
recomecemos!
Isso era um 3 em 1: rádio, LP e K7... um trambolho, na verdade!
Antes de mais nada, música é uma representação artística e, ao mesmo tempo, um produto cultural, passível a venda (ou não, se você quiser ser indie) e às variações do mercado fonográfico. Música é um produto cultural inserido em um mercado, contudo, nem sempre se “vendeu” música do mesmo jeito, assim como nem sempre se ouvir música do mesmo jeito. Um exemplo: sempre rolavam uma discussão acalorada entre meus amigos e eu, lá nos anos 90 (e impressionantemente até hoje), sobre os álbuns de nossos artistas favoritos. Até os anos 2000, era possível pensar as músicas de uma artista a partir do álbum como um todo. Não precisava ser necessariamente um disco “conceitual”, mas entendíamos que todos os discos eram reflexos de um momento da trajetória daquele artista e que ele carregava de certa forma um elo entre as canções, mesmo que não fosse uma intenção declarada do músico em questão, daí as discussões tipo, “melhor álbum do Bom Jovi”, “influências musicais nos discos dos Engenheiros do Hawaii”, “qual disco do Maiden teria as melhores músicas menos ouvidas da banda”... essa imagem de um álbum como um disco “completo” e não só com músicas reunidas foi por terra com a rápida difusão do MP3, nos anos 2000. Inclusive, se você quiser tirar onda com a cara de um moleque de 12, 13 anos hoje em dia, faça duas perguntas: “qual sua música favorita?”, depois da resposta, “Ela tá em que disco dessa banda?” e observe a cara de perdido da criatura...
Provavelmente ele fará essa cara!
Falei anteriormente em "disco conceitual", saca aqui o que é que deu preguiça de explicar:
Note que não estou criticando o consumo
de uma única música de uma determinada banda, até pelo fato de que as próprias
bandas começaram a produzir de uma forma diferente (usando o myspace,
soundcloud) e divulgando uma ou poucas músicas. Os tempos mudaram, mas algumas
coisas parecem retornar ao começo do século XX, prestenção!
Quando começou a chamada Era do Rádio (após
os anos 20, até a chegada da televisão, nos 40), a música passa a ser consumida mais intensamente forma coletiva, no qual o único controle que se tinha era mudar de estação
ou desligar o rádio. De repente, ouvir o rádio coletivamente nos bares, nos
cafés, na barbearia (nota mental: fazer a barba), tornou-se uma constante, pois
esse aparelho servia como difusor musica e de notícias. Ainda se ouvia rádio e
discos (através dos gramofones) em casa, mas já existia aí dois modos
diferentes de se consumir música.
As mina pira nos DJ de Gramofone...
sim, o troço aí ainda era a manivela #TrueStory
sim, o troço aí ainda era a manivela #TrueStory
Vários artistas gravavam músicas nas
rádios e recebiam imediatamente por isso. De posse com as gravações, as rádios
reproduziam indiscriminadamente esse material, servindo assim de divulgação do
artista, que conseguia mais shows com isso, ganhando com os shows. A venda de
discos no Brasil só vai acontecer bem mais tarde, por volta de 1930 e em 1940,
os vinis já ganhavam força no mercado.
Tudo isso nas primeiras 4 décadas do século
XX, mas estamos falando do modo de se ouvir música e, nesse caso, LPs de vinil
e fitas K7 moldaram esses modos, mas antes, outra historinha:
O primeiro aparelho de CDs que apareceu
na minha casa foi rapidamente inserido no cotidiano de minha família. Se não me
engano, era no ano de 1996 e tudo que se fazia em casa era com música (principalmente
aquela faxina ~divertida~, com todos os membros participando aos sábados pela
manhã). Contudo, minha mãe nunca se aventurou a mexer no aparelho, sempre
pedindo para que alguém ligasse e colocasse aquele disco esperto do Roberto
Carlos pra ela. Dois anos depois, dando graças a Odin pelo colégio ter provas
aos sábados, fugia feliz das faxinas e foi em um desses sábados que quase mijei
toda a sala de casa de tanto rir. Quando cheguei da prova, minha mãe assustada
falou “acho que o aparelho de CD quebrou. Olha lá, filho!”. Quando cheguei lá e
apertei o botão “eject”, vi sair um disco com a parte “queimada” (aquela
espelhada, onde ficam os dados) para cima, no momento em que minha mãe chega ao
meu lado. Viro para ela e pergunto: “Mãe, a senhora virou o CD?”, “sim, assim
que chegou no meio do disco”. Controlando o riso perguntei “como a senhora
sabia que era ‘metade do disco’?”, “Ora, se o CD tem 16 músicas, a metade é 8. Quando
acabou a 8ª, eu vim e virei o disco!”. Eu ri tanto, mas tanto, que nem me
importei com os tapas que tomava dela nas costas enquanto ia pro quarto...
Minha mãe (sério!) sendo gentil com você que riu dela
Enfim, se a senhora minha mãe tomou
essa atitude, foi justamente pelo fato dela ter aprendido a ouvir música
utilizando LPs e K7s, nos quais se tem essa divisão em lados, mas você sabe o
que isso significa? Com certeza, você já ouviu a expressão “Lado B” ou “B-sides”
para se referir a músicas mais obscuras de um determinado artista e a culpa
disso é dos LPs e K7s, pois, se você ia à loja de discos (coisa que
praticamente não existe mais, infelizmente) e fosse ouvir um disco, mas que
ainda estivesse em dúvidas sobre comprá-lo ou não, as primeiras faixas teriam
que ser as melhores do disco, para que você se convencesse de cara a comprá-lo,
afinal você não ia ouvir o disco todo ali (até poderia, mas antes disso, seria
provavelmente espancado pelo dono da loja por não ter comprado nada).
No caso das fitas K7 em que você não
pode escolher exatamente a faixa que vai se ouvir (não dá pra escolher a faixa
apertando um botão, como no CD/iPod/MP3Player, ou levando a agulha até a trilha
da faixa, como nos LPs), a experiência era ainda mais divertida, na minha
opinião. Na verdade era divertida até certo ponto, pois se os LPs tinham o
problema de arranharem, o que inviabilizaria ouvir música por eles, o K7
invariavelmente enganchava a fita no aparelho de som. Uma hora ou outra, você
teria que meter o dedo (ui!) dentro do aparelho para tentar desenroscar a fita
que estava presa, sujeito inclusive a tomar um belo choque. Tomei vários e não
morri: #chupaPedagogos.
Se você partilha esse tipo de coisa no Facebook, saiba que você tem meu total desprezo... mas nada melhor que um lápis pra enrolar de volta a fita engolida pelo aparelho
Sim, mas o que tinha divertido no K7: Primeiro,
que parecia que o K7 estava no meio termo entre o LP e o Radio, pela própria escolha
das faixas. Outro ponto super interessante é que pela primeira vez, se podia, a
custo baixo, gravar o que você queria ouvir. Talvez a geração pós-CD ache isso “nada
demais”, mas a revolução (sim, podemos chamar de revolução) de gravar o que se
queria ouvir, vindo do LP, Rádio, whatever, mudaria o modo de se ouvir música
por diversos aspectos, mas vamos por parte:
1. surgem as mixtapes:
Suponhamos que você esteja no colégio e
muda para sua sala aquela menina que você achou especial, por algum motivo.
Você ia lá e gravava uma fita K7 com suas músicas preferidas pra ela. Depois,
era só rezar pros gostos musicais fossem próximos e correr pro abraço (ou, geralmente,
não). Namorados também trocavam mix-tapes e quando terminavam, choravam dias
ouvindo aquelas músicas melosas que só corações partidos aguentavam ouvir. Esse
hábito foi levado para os CDs, mas até isso vem se perdendo com o tempo...
2. andar com música:
Eu carrego música pra onde vou o tempo
todo, provavelmente porque acho que vivo num filme e que precisa ter uma trilha
sonora pra cada momento. Tirando esse meu lado autista de ser, muitas pessoas
abstraem momentos do cotidiano como andar de ônibus ou ter que ouvir os pais reclamando
das notas e tal. Poder ouvir música em qualquer lugar só se tornou comum nos
anos 80, quando foram desenvolvidos os tocadores stereos portáteis, também
conhecidos como Walkman (esse é um dos casos que a marca substitui o nome do
produto, como no caso do Bom Bril. Walkman é a marca mais popular do mundo e
era produzida pela Sony até alguns anos atrás).
Uma das coisas mais lindas desse
momento, além do fato de se poder ouvir música em qualquer lugar era que o
mundo ainda não vivia a paranoia da preservação e do politicamente correto, pois
se vivesse, ninguém ouviria música pelos seus walkman, já que o consumo de
pilha desses aparelhos era altíssimo e pilhas recarregáveis eram lendas urbanas
(pelo menos em Fortaleza) até os anos 90. Ouvir música poluía o planeta! Me
pergunto como os hipongas do GreenPeace ouviam música afinal? Rodas de violão?
Um mistério, de fato...
3. gravar demos:
Se gravar músicas ficou fácil, assim
como carregá-las, muitos moleques que não tinham o que fazer da vida começaram
a compor suas próprias músicas e divulgá-las em rádios, gravadoras. Durante os
anos 80, principalmente no Brasil com a abertura política, havia um certo buzz
no mercado fonográfico em busca de algo que fosse completamente novo, assim
como havia acontecido antes, porém não com a mesma força.
Agora, pergunto-lhes: se as fitas K7
eram tão legais, por que hoje ouvimos falar de colecionadores de LPs e não de
K7s?
Pra essa galera, ouvir seus LPs é um
ritual. Você vai lá, põe a bolacha na vitrola e depois de segundos de ruídos,
começa um som “encorpado” (que papo viado, pqp!). Pelo menos é o que esses
colecionadores alegam, afinal os sons mais graves do LP nunca foram
reproduzidos com maestria em outros formatos, principalmente no digital (CD,
DVD). Aí está o diferencial, além do lance da capa do disco.
Certeza que por causa de capas escrotas como
essa que diminuíram tudo no CD
essa que diminuíram tudo no CD
Se quando você manejava a capa de um
LP, você tinha fotos grandes, letras, informações sobre o disco, nas fitas K7,
muitas vezes essas informações eram retiradas e nos CDs, esse tamanho foi
reduzido para caber no encarte. Minha teoria? Quem coleciona LP na verdade é velho
E míope, pois não conseguiria ler em uma escala reduzida. Mas é só uma teoria...
E você, afinal, como consome música?
Me conta lá no Twiiter: @RenatoRios
***
Dedicado a Anna Luisa e Eliseu que acham que sabem tocar
e ao Lucas, que acha que manja de música.
2 comentários:
Massa! Ouvia fita K7 até roubarem o toca-fita do carro com minha fita do Led Zeppelin! =(
e rir da tua mãe dá dor na consciência... mas eu ri do mesmo jeito! rsrsrs
Pois a hora chegou, ta voltando com tudo.
lindo texto e fotos ,grato.
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