sexta-feira, 22 de junho de 2012

Como você consome música?


“testando, 1 2 3, alô som, ok! Dá o play DJ!”
*toca uma vinheta chata*

“Ok, esquece! Vou começar ligando o rádio e deixando ver qual é o som que toca.”
*está tocando ‘Mississipi Queen” com o Ozzy cantando*
“Putz, mas deu vontade de ouvir blues!”
*coloca o rádio no mudo*
“Vou procurar uns vídeos do Joe Bonamassa no youtube.“
“’Driving towards the daylight’? Eita, o cara tá lançando disco novo... será que já tem no iTunes?”
*abre o iTunes, acha o disco novo do John Mayer disponível para audição e põe pra tocar*
 “John Mayer é muito bom!”
*dá pause na audição pelo iTunes, pega o violão e começa a tocar “Who says” do John Mayer*
*o último acorde, um Ré com 9ª (D9), faz lembrar de “Camila Camila” do Nenhum de Nós*
*corre na estante, pega um CD que já tava empoeirado dos caras e põe no aparelho, apertando o shuffle*
*escuta duas músicas e percebe que tem que voltar ao computador,
“Putz, tá tarde, de volta ao trabalho”
*vai desligar o aparelho de som, mas acaba apertando o botão errado, voltando pra rádio*
*decide deixar lá*
“’under preasure’ é legal e tal, deixa aí...”
*começa a tocar uma música que não gosta e desliga o rádio*
*abre o winamp e vai ouvir Queen, mas põe pra reproduzir a pasta do Queens of the Stone Age por engano*
“Droga! Ah, que se dane...”
*Queens of the Stone Age o faz lembrar de Foo Fighters, então vai ouvir isso*
*Foo Fighter o lembra de um amigo de colégio que tinha esse apelido e lhe emprestou o “Ixnay on the hombre” do Offspring*
“Putz, por onde deve andar o Thiago Foo Fighters?”
*Vai atrás de notícias sobre o Offspring de quem não ouve falar desde que lançaram a música “want you bad”*
*nos destaques do site, fala da turnê de despedida do Scorpions”
“Que saco nunca ter visto esses caras ao vivo, pelo menos vi Maiden”
*lembra em seguida do show do Iron Maiden, assistido na grade, no calor de Recife*
*levanta de novo, vai atrás do LP “somewhere in time” do Maiden, põe pra tocar “Wasted Years” e pensa alto*
“única música do show que eu não cantei junto, tava difícil segurar as lágrimas”
*lembra do trabalho, desliga tudo e volta para o computador*
*fechando itunes, winamp, navegador com youtube aberto*
“Vamos trabalhar!”
*abre o winamp*
“mas não sem música!”
*põe pra reproduzir a pasta com os Estudos de Chopin”
“só me falta uma ideia para começar esse texto do Curioso Inovador”





O assunto de hoje é música e principalmente, sobre os modos de se ouvir música.
Essa rápida introdução, nada mais é que uma tarde comum em Rivers’ Place (my land, my territory, my precious). Como falei anteriormente, sou um cara meio desajeitado, perco o foco fácil, mas por incrível que pareça, sempre funcionei com música. Na verdade, com música e tecnologia. Tanto que com 3, 4 anos, já sabia mexer no ultra-mega-moderno 3 em 1 de uma tia minha, onde colocava pra reproduzir, com todo o cuidado, LPs do RPM, John Lennon e Elis Regina. Contudo, esse não é o foco desse texto... recomecemos!

Isso era um 3 em 1: rádio, LP e K7... um trambolho, na verdade!


 Antes de mais nada, música é uma representação artística e, ao mesmo tempo, um produto cultural, passível a venda (ou não, se você quiser ser indie) e às variações do mercado fonográfico. Música é um produto cultural inserido em um mercado, contudo, nem sempre se “vendeu” música do mesmo jeito, assim como nem sempre se ouvir música do mesmo jeito. Um exemplo: sempre rolavam uma discussão acalorada entre meus amigos e eu, lá nos anos 90 (e impressionantemente até hoje), sobre os álbuns de nossos artistas favoritos. Até os anos 2000, era possível pensar as músicas de uma artista a partir do álbum como um todo. Não precisava ser necessariamente um disco “conceitual”, mas entendíamos que todos os discos eram reflexos de um momento da trajetória daquele artista e que ele carregava de certa forma um elo entre as canções, mesmo que não fosse uma intenção declarada do músico em questão, daí as discussões tipo, “melhor álbum do Bom Jovi”, “influências musicais nos discos dos Engenheiros do Hawaii”, “qual disco do Maiden teria as melhores músicas menos ouvidas da banda”... essa imagem de um álbum como um disco “completo” e não só com músicas reunidas foi por terra com a rápida difusão do MP3, nos anos 2000. Inclusive, se você quiser tirar onda com a cara de um moleque de 12, 13 anos hoje em dia, faça duas perguntas: “qual sua música favorita?”, depois da resposta, “Ela tá em que disco dessa banda?” e observe a cara de perdido da criatura...

Provavelmente ele fará essa cara!

Falei anteriormente em "disco conceitual", saca aqui o que é que deu preguiça de explicar:

Note que não estou criticando o consumo de uma única música de uma determinada banda, até pelo fato de que as próprias bandas começaram a produzir de uma forma diferente (usando o myspace, soundcloud) e divulgando uma ou poucas músicas. Os tempos mudaram, mas algumas coisas parecem retornar ao começo do século XX, prestenção!

Quando começou a chamada Era do Rádio (após os anos 20, até a chegada da televisão, nos 40), a música passa a ser consumida mais intensamente forma coletiva, no qual o único controle que se tinha era mudar de estação ou desligar o rádio. De repente, ouvir o rádio coletivamente nos bares, nos cafés, na barbearia (nota mental: fazer a barba), tornou-se uma constante, pois esse aparelho servia como difusor musica e de notícias. Ainda se ouvia rádio e discos (através dos gramofones) em casa, mas já existia aí dois modos diferentes de se consumir música.

As mina pira nos DJ de Gramofone... 
sim, o troço aí ainda era a manivela #TrueStory


Vários artistas gravavam músicas nas rádios e recebiam imediatamente por isso. De posse com as gravações, as rádios reproduziam indiscriminadamente esse material, servindo assim de divulgação do artista, que conseguia mais shows com isso, ganhando com os shows. A venda de discos no Brasil só vai acontecer bem mais tarde, por volta de 1930 e em 1940, os vinis já ganhavam força no mercado.

Tudo isso nas primeiras 4 décadas do século XX, mas estamos falando do modo de se ouvir música e, nesse caso, LPs de vinil e fitas K7 moldaram esses modos, mas antes, outra historinha:

O primeiro aparelho de CDs que apareceu na minha casa foi rapidamente inserido no cotidiano de minha família. Se não me engano, era no ano de 1996 e tudo que se fazia em casa era com música (principalmente aquela faxina ~divertida~, com todos os membros participando aos sábados pela manhã). Contudo, minha mãe nunca se aventurou a mexer no aparelho, sempre pedindo para que alguém ligasse e colocasse aquele disco esperto do Roberto Carlos pra ela. Dois anos depois, dando graças a Odin pelo colégio ter provas aos sábados, fugia feliz das faxinas e foi em um desses sábados que quase mijei toda a sala de casa de tanto rir. Quando cheguei da prova, minha mãe assustada falou “acho que o aparelho de CD quebrou. Olha lá, filho!”. Quando cheguei lá e apertei o botão “eject”, vi sair um disco com a parte “queimada” (aquela espelhada, onde ficam os dados) para cima, no momento em que minha mãe chega ao meu lado. Viro para ela e pergunto: “Mãe, a senhora virou o CD?”, “sim, assim que chegou no meio do disco”. Controlando o riso perguntei “como a senhora sabia que era ‘metade do disco’?”, “Ora, se o CD tem 16 músicas, a metade é 8. Quando acabou a 8ª, eu vim e virei o disco!”. Eu ri tanto, mas tanto, que nem me importei com os tapas que tomava dela nas costas enquanto ia pro quarto...

Minha mãe (sério!) sendo gentil com você que riu dela


Enfim, se a senhora minha mãe tomou essa atitude, foi justamente pelo fato dela ter aprendido a ouvir música utilizando LPs e K7s, nos quais se tem essa divisão em lados, mas você sabe o que isso significa? Com certeza, você já ouviu a expressão “Lado B” ou “B-sides” para se referir a músicas mais obscuras de um determinado artista e a culpa disso é dos LPs e K7s, pois, se você ia à loja de discos (coisa que praticamente não existe mais, infelizmente) e fosse ouvir um disco, mas que ainda estivesse em dúvidas sobre comprá-lo ou não, as primeiras faixas teriam que ser as melhores do disco, para que você se convencesse de cara a comprá-lo, afinal você não ia ouvir o disco todo ali (até poderia, mas antes disso, seria provavelmente espancado pelo dono da loja por não ter comprado nada).

No caso das fitas K7 em que você não pode escolher exatamente a faixa que vai se ouvir (não dá pra escolher a faixa apertando um botão, como no CD/iPod/MP3Player, ou levando a agulha até a trilha da faixa, como nos LPs), a experiência era ainda mais divertida, na minha opinião. Na verdade era divertida até certo ponto, pois se os LPs tinham o problema de arranharem, o que inviabilizaria ouvir música por eles, o K7 invariavelmente enganchava a fita no aparelho de som. Uma hora ou outra, você teria que meter o dedo (ui!) dentro do aparelho para tentar desenroscar a fita que estava presa, sujeito inclusive a tomar um belo choque. Tomei vários e não morri: #chupaPedagogos.

Se você partilha esse tipo de coisa no Facebook, saiba que você tem meu total desprezo... mas nada melhor que um lápis pra enrolar de volta a fita engolida pelo aparelho


Sim, mas o que tinha divertido no K7: Primeiro, que parecia que o K7 estava no meio termo entre o LP e o Radio, pela própria escolha das faixas. Outro ponto super interessante é que pela primeira vez, se podia, a custo baixo, gravar o que você queria ouvir. Talvez a geração pós-CD ache isso “nada demais”, mas a revolução (sim, podemos chamar de revolução) de gravar o que se queria ouvir, vindo do LP, Rádio, whatever, mudaria o modo de se ouvir música por diversos aspectos, mas vamos por parte:

1. surgem as mixtapes:
Suponhamos que você esteja no colégio e muda para sua sala aquela menina que você achou especial, por algum motivo. Você ia lá e gravava uma fita K7 com suas músicas preferidas pra ela. Depois, era só rezar pros gostos musicais fossem próximos e correr pro abraço (ou, geralmente, não). Namorados também trocavam mix-tapes e quando terminavam, choravam dias ouvindo aquelas músicas melosas que só corações partidos aguentavam ouvir. Esse hábito foi levado para os CDs, mas até isso vem se perdendo com o tempo...

2. andar com música:
Eu carrego música pra onde vou o tempo todo, provavelmente porque acho que vivo num filme e que precisa ter uma trilha sonora pra cada momento. Tirando esse meu lado autista de ser, muitas pessoas abstraem momentos do cotidiano como andar de ônibus ou ter que ouvir os pais reclamando das notas e tal. Poder ouvir música em qualquer lugar só se tornou comum nos anos 80, quando foram desenvolvidos os tocadores stereos portáteis, também conhecidos como Walkman (esse é um dos casos que a marca substitui o nome do produto, como no caso do Bom Bril. Walkman é a marca mais popular do mundo e era produzida pela Sony até alguns anos atrás).

Uma das coisas mais lindas desse momento, além do fato de se poder ouvir música em qualquer lugar era que o mundo ainda não vivia a paranoia da preservação e do politicamente correto, pois se vivesse, ninguém ouviria música pelos seus walkman, já que o consumo de pilha desses aparelhos era altíssimo e pilhas recarregáveis eram lendas urbanas (pelo menos em Fortaleza) até os anos 90. Ouvir música poluía o planeta! Me pergunto como os hipongas do GreenPeace ouviam música afinal? Rodas de violão? Um mistério, de fato...



3. gravar demos:
Se gravar músicas ficou fácil, assim como carregá-las, muitos moleques que não tinham o que fazer da vida começaram a compor suas próprias músicas e divulgá-las em rádios, gravadoras. Durante os anos 80, principalmente no Brasil com a abertura política, havia um certo buzz no mercado fonográfico em busca de algo que fosse completamente novo, assim como havia acontecido antes, porém não com a mesma força.

Agora, pergunto-lhes: se as fitas K7 eram tão legais, por que hoje ouvimos falar de colecionadores de LPs e não de K7s?
Pra essa galera, ouvir seus LPs é um ritual. Você vai lá, põe a bolacha na vitrola e depois de segundos de ruídos, começa um som “encorpado” (que papo viado, pqp!). Pelo menos é o que esses colecionadores alegam, afinal os sons mais graves do LP nunca foram reproduzidos com maestria em outros formatos, principalmente no digital (CD, DVD). Aí está o diferencial, além do lance da capa do disco.

Certeza que por causa de capas escrotas como 
essa que diminuíram tudo no CD


Se quando você manejava a capa de um LP, você tinha fotos grandes, letras, informações sobre o disco, nas fitas K7, muitas vezes essas informações eram retiradas e nos CDs, esse tamanho foi reduzido para caber no encarte. Minha teoria? Quem coleciona LP na verdade é velho E míope, pois não conseguiria ler em uma escala reduzida. Mas é só uma teoria...

E você, afinal, como consome música?




Me conta lá no Twiiter: @RenatoRios

***

Dedicado a Anna Luisa e Eliseu que acham que sabem tocar 
e ao Lucas, que acha que manja de música.

2 comentários:

Davi disse...

Massa! Ouvia fita K7 até roubarem o toca-fita do carro com minha fita do Led Zeppelin! =(
e rir da tua mãe dá dor na consciência... mas eu ri do mesmo jeito! rsrsrs

Carlos alipio disse...

Pois a hora chegou, ta voltando com tudo.
lindo texto e fotos ,grato.

Postar um comentário